Os sete passos para o ódio
É tudo uma questão de pormenores. Damos demasiada atenção às pequenas coisas, talvez por saber que dentro de nós só as pequenas coisas são importantes. Julgamos os outros pelos nossos olhos e provavelmente erramos.
Faltam-nos os olhos de Bernard Shaw com o seu “Não faças aos outros o que queres que te façam a ti, porque eles podem não ter os mesmos gostos que tu.”. Para nós, aos nossos olhos, só existem os nossos gostos, o hábito, o conhecimento seguro do que nos faz mover e que à falta de melhor nos assegura que sabemos o que faz mover outros, com a margem de segurança nascida da observação dos que nos rodeiam de perto.
Uma observação por vezes demasiado descuidada, demasiado egocêntrica e onde a máxima “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.” serve de base ao axioma “Somos todos iguais.”. Por isso procuramos constantemente dentro de nós as razões que movem os outros, e assim começa o nosso engano.
Um mau juiz julga os outros por si próprio, e não o contrário, porque o desprezo e o desrespeito pelo outro radia dessa pequena confusão: a crença que tudo está ao alcance da nossa compreensão, porque tudo o que há existe em nós, e todas as diferenças dos outros nascem de diferentes decisões em relação às mesmas premissas e não de diferentes premissas.
Assim começam os sete passos que nos separam do ódio. Como todas as caminhadas, começa pelo primeiro passo. Um passo fundado na fé. Aquilo que os outros fazem, fazem-no por um acto de consciência, são diferentes porque assim optaram.
É aqui irrelevante o facto de, no conjunto das nossas acções diárias, apenas uma parte insignificante delas são de facto acções da nossa consciência, verdadeiras opções em que o nosso livre arbítrio decide de acordo com o nosso coração contra tudo e contra todos. A fraqueza e falta de coragem que se desculpa em nós, não serve de desculpa aos outros, porque isso implicaria expor socialmente a nossa fraqueza, admitir que muito daquilo que pretendemos fazer por decisão, fazemos antes por acaso, por arrasto, por inércia, por preguiça, por falta de força ou de coragem.
A palavra é o segundo passo para o ódio. Porque acreditamos que tudo pode e deve ser dito. Porque confundimos o direito de dizer com a obrigação de dizer e porque somos viciados na obrigação como substituto para a incapacidade de fazer valer os nossos direitos. Porque achamos que falar resolve e porque de facto não suportamos a gravidade do silêncio. E porque nisto os outros são iguais a nós na sua obsessão da palavra, e tal como nós não ouvem e calam, e tal como nós usam a palavra como arma, e tal como nós confundem o direito de falar com a obrigação de não calar, e tal como nós sublimam na palavra-arma a frustração da impotência do livre arbítrio.
O silêncio é o terceiro passo para o ódio. Porque sabemos quanto é insuportável para nós e para os outros. Porque manifesta a nossa desistência dos outros. Nós cuja impotência de acção faz com existamos apenas na palavra, retiramo-nos, apagamo-nos, erradicamo-nos através do silêncio. Um suicídio-homicídio ritual, porque o silêncio nega a nossa existência e a existência do outro.
O tempo é o quarto passo para o ódio. Porque com o tempo esgotamos todas as palavras, todos os silêncios. Com o tempo tornam-se claros os traços que desenham a nossa impotência. Em cada ciclo, cada tentativa esboçada de falar, de calar, fica demonstrada a nossa ineficiência. Assim se torna incontornável o nosso estado de não-existência.
O quinto passo para o ódio é a omnisciência. A ilusão de tudo prever, adivinhar antes de acontecer, suspeitar das intenções, reparar nas mais leves insinuações. Não aceitar nada, não dar nada. Recusar a evidência, ténue, de que nem tudo encaixa no esquema montado pela auto-ilusão. Esquecer os olhos, os ouvidos, a boca, a pele, fechar-se a tudo o que pode surpreender. Acreditar que tudo é importante e faz parte do esquema. Não aceitar o ridículo, o irrelevante, o erro ou o acidente. Acreditar que se vive dentro de um grande Teorema.
O sexto passo para o ódio é a má-consciência. A recusa em aceitar a responsabilidade na justa medida dos actos. Suportar antes em segredo a assombração da culpa , nascida dos sonhos e aspirações passadas, das imagens de perfeição e amores idílicos herdadas.
O sétimo passo para o ódio é não amar, e esse é o mais simples de dar, quase não é preciso fazer nada. Basta não gostar de nada, não rir com nada, não ter prazer em nada, não reparar em nada, não ter uma grande paixão, não saber o que é o amor.
E a caminhada é curta entre o amor e o ódio. É também uma caminhada paradoxal: começa na certeza de que se conhece o outro para chegar à certeza de que o outro é um estranho, com base na certeza que o compreendemos bem. O preço a pagar, se quisermos parar um pouco para pensar, é que nos tornamos mais estranhos a nós mesmos também. Mas, com tanta coisa na cabeça, quem tem tempo para pensar?
Faltam-nos os olhos de Bernard Shaw com o seu “Não faças aos outros o que queres que te façam a ti, porque eles podem não ter os mesmos gostos que tu.”. Para nós, aos nossos olhos, só existem os nossos gostos, o hábito, o conhecimento seguro do que nos faz mover e que à falta de melhor nos assegura que sabemos o que faz mover outros, com a margem de segurança nascida da observação dos que nos rodeiam de perto.
Uma observação por vezes demasiado descuidada, demasiado egocêntrica e onde a máxima “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.” serve de base ao axioma “Somos todos iguais.”. Por isso procuramos constantemente dentro de nós as razões que movem os outros, e assim começa o nosso engano.
Um mau juiz julga os outros por si próprio, e não o contrário, porque o desprezo e o desrespeito pelo outro radia dessa pequena confusão: a crença que tudo está ao alcance da nossa compreensão, porque tudo o que há existe em nós, e todas as diferenças dos outros nascem de diferentes decisões em relação às mesmas premissas e não de diferentes premissas.
Assim começam os sete passos que nos separam do ódio. Como todas as caminhadas, começa pelo primeiro passo. Um passo fundado na fé. Aquilo que os outros fazem, fazem-no por um acto de consciência, são diferentes porque assim optaram.
É aqui irrelevante o facto de, no conjunto das nossas acções diárias, apenas uma parte insignificante delas são de facto acções da nossa consciência, verdadeiras opções em que o nosso livre arbítrio decide de acordo com o nosso coração contra tudo e contra todos. A fraqueza e falta de coragem que se desculpa em nós, não serve de desculpa aos outros, porque isso implicaria expor socialmente a nossa fraqueza, admitir que muito daquilo que pretendemos fazer por decisão, fazemos antes por acaso, por arrasto, por inércia, por preguiça, por falta de força ou de coragem.
A palavra é o segundo passo para o ódio. Porque acreditamos que tudo pode e deve ser dito. Porque confundimos o direito de dizer com a obrigação de dizer e porque somos viciados na obrigação como substituto para a incapacidade de fazer valer os nossos direitos. Porque achamos que falar resolve e porque de facto não suportamos a gravidade do silêncio. E porque nisto os outros são iguais a nós na sua obsessão da palavra, e tal como nós não ouvem e calam, e tal como nós usam a palavra como arma, e tal como nós confundem o direito de falar com a obrigação de não calar, e tal como nós sublimam na palavra-arma a frustração da impotência do livre arbítrio.
O silêncio é o terceiro passo para o ódio. Porque sabemos quanto é insuportável para nós e para os outros. Porque manifesta a nossa desistência dos outros. Nós cuja impotência de acção faz com existamos apenas na palavra, retiramo-nos, apagamo-nos, erradicamo-nos através do silêncio. Um suicídio-homicídio ritual, porque o silêncio nega a nossa existência e a existência do outro.
O tempo é o quarto passo para o ódio. Porque com o tempo esgotamos todas as palavras, todos os silêncios. Com o tempo tornam-se claros os traços que desenham a nossa impotência. Em cada ciclo, cada tentativa esboçada de falar, de calar, fica demonstrada a nossa ineficiência. Assim se torna incontornável o nosso estado de não-existência.
O quinto passo para o ódio é a omnisciência. A ilusão de tudo prever, adivinhar antes de acontecer, suspeitar das intenções, reparar nas mais leves insinuações. Não aceitar nada, não dar nada. Recusar a evidência, ténue, de que nem tudo encaixa no esquema montado pela auto-ilusão. Esquecer os olhos, os ouvidos, a boca, a pele, fechar-se a tudo o que pode surpreender. Acreditar que tudo é importante e faz parte do esquema. Não aceitar o ridículo, o irrelevante, o erro ou o acidente. Acreditar que se vive dentro de um grande Teorema.
O sexto passo para o ódio é a má-consciência. A recusa em aceitar a responsabilidade na justa medida dos actos. Suportar antes em segredo a assombração da culpa , nascida dos sonhos e aspirações passadas, das imagens de perfeição e amores idílicos herdadas.
O sétimo passo para o ódio é não amar, e esse é o mais simples de dar, quase não é preciso fazer nada. Basta não gostar de nada, não rir com nada, não ter prazer em nada, não reparar em nada, não ter uma grande paixão, não saber o que é o amor.
E a caminhada é curta entre o amor e o ódio. É também uma caminhada paradoxal: começa na certeza de que se conhece o outro para chegar à certeza de que o outro é um estranho, com base na certeza que o compreendemos bem. O preço a pagar, se quisermos parar um pouco para pensar, é que nos tornamos mais estranhos a nós mesmos também. Mas, com tanta coisa na cabeça, quem tem tempo para pensar?
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