sexta-feira, janeiro 28, 2005

Da transparência do pêssego, em tons de irrelevância

Admiro os políticos que se sacrificam com espírito de missão, coisa de que ouvi falar à dias num debate de televisão, não consigo é saber quem realmente eles são. Existe uma certa opacidade na nossa classe política, principalmente ao centro. Nesse aspecto, Santana Lopes marca a diferença: é transparente. Sabemos já de tudo o que ele é capaz.
Que José Sócrates não partilha dessa transparência, denotando uma opacidade acima da média e uma incapacidade de motivar o eleitorado para uma esmagadora maioria, parece não haver dúvida, mas centrar nessa matéria a questão fulcral que se irá decidir nestas eleições, eis o esquema que se impõe clarificar.
É absolutamente irrelevante que o PS tenha ou não maioria absoluta, excepto para o PS. Mesmo tendo, José Sócrates nunca será o representante da maioria dos portugueses, até porque cerca de metade deles normalmente se abstêm. Essa crise não é de agora, e antes fosse de facto uma crise que alterasse radicalmente quer a forma de fazer política quer a forma de ver a política por parte da população. É urgente que a formação cívica e política seja introduzida nos programas escolares, se não queremos correr o risco de ter, no futuro, abstenções ainda superiores.
O que é relevante e parece ter sido engolido numa manhã de nevoeiro é isto: o que está de facto a ser votado é se Santana Lopes fica ou sai, e notem que digo Santana Lopes e não o PSD. Não podemos ser ingénuos ao ponto de acreditar que a questão seja outra, por todas as incidências que rodearam estas eleições antecipadas. E aqui estão os dois lados da questão para a maioria dos portugueses: Santana Lopes fica vs. Santana Lopes sai.
Disto discordarão provavelmente muitos políticos de profissão, centrados na caça ao voto, sem que nada haja de criticável nisso pois é a sua prerrogativa. Mas nessa discordância mostram que estão definitivamente alheados da questão prioritária para Portugal, que quer queiram quer não está centrada na figura de Santana Lopes.
Aquilo que nos devemos interrogar é: o que podemos esperar da vitória de Santana Lopes? Quais serão os seus efeitos na sociedade portuguesa, no ordenamento de forças das instituições democráticas e da classe política portuguesa?
Mesmo sem aprofundar muito, é fácil de antecipar que a vitória de Santana Lopes, a ocorrer, será em primeiro lugar uma vitória pessoal. Uma vitória contra a oposição interna por parte de alguns notáveis do PSD, que nunca o apoiou, e pode definitivamente levar ao abandono de muitos sociais democratas competentes. Essa transformação do partido à imagem do líder, provocará um enfraquecimento do PSD e acarretará uma perda para a democracia portuguesa.
Seria também uma vitória pessoal sobre Jorge Sampaio e legitimaria as intensões de Santana Lopes de reduzir os poderes presidenciais a gusto, comprometendo e enfraquecendo a pessoa institucional do Presidente da República. Aliás, Pacheco Pereira aventou que esta proposta de redução de poderes presidenciais não se dirige ao actual, mas ao próximo presidente da república, que poderia ser Cavaco Silva. Talvez...não sei.
Mas, isto eu sei: se ganhar as eleições, por pequena vantajem que seja, Santana Lopes ganha redondamente; resultado ao intervalo 2:0. Repito, Santana Lopes ganha, o PSD provavelmente perde.
E o problema é que na névoa partidária que se tem formado, mesmo os portugueses que se sentiram inicialmente motivados para votar na derrota de Santana Lopes, votando onde quer que seja, estão agora preocupados com a questão marginal de se o PS tem ou não direito à maioria, se participa ou não nos debates, se Sócrates é sempre assim antipático, ou se de manhã ao acordar é ainda pior. Entretanto, Santana Lopes amanteiga os jornalistas nas entrevistas televisivas. Ganha a facção “Santana Lopes fica”, embevecida com o “charme latino” da sua versão dos factos: “não sei como vim aqui parar, mas não interessa, vamos em frente”.
Ainda não temos, mas poderemos vir a ter um Berlusconi Affair à portuguesa. Isto, se a névoa não for dissipada por um vento forte, porque com este nevoeiro ninguém vislumbra a baliza.
Eis o que é absolutamente transparente em Santana Lopes: não tem credibilidade perante as instituições públicas e privadas portuguesas, pior, não tem credibilidade nem é levado a sério além fronteiras. Se esquecermos durante um pouco as questões partidárias, porque esta é uma questão suprapartidária, Santana Lopes pode significar um sério bloqueio para Portugal.
A nação correria certamente menos riscos se tivesse sido utilizada, justificadamente, o equivalente português do “impeachment”. Talvez uma junta médica isenta, como a que tratou do caso do Dr. Branquinho Lobo, mostre disponibilidade para avaliar o caso.