sábado, fevereiro 18, 2006

O 5º poder: a lei do mais forte

1. Esther Mucznik, ao texto "A árvore e a floresta", que pode ser lido no Público de ontem, acrescenta o seguinte (em P.S.), a propósito das declarações provocadoras do embaixador do Irão acerca do holocausto: "(...) O Irão está a brincar com o fogo e a testar a paciência de Portugal. Na boca de um embaixador acreditado em Portugal, estas declarações são totalmente inadmissíveis. Nesse sentido o protesto do Ministério dos negócios estrangeiros é bem-vindo, mas devia ir mais longe: simplesmente declarando o senhor embaixador como aquilo que é na realidade, persona non grata em Portugal.". Lá se foi a liberdade de expressão do embaixador, mas pelo menos não levou paulada que cá as gentes são brandas.

2. A polícia judiciária entrou pela redacção do jornal 24 Horas gritando "Isto é uma rusga! Tirem as mãos dos teclados!". Tirem as mãos dos teclados? O jornal 24 Horas parece também ter perdido o direito à liberdade de expressão. Já não existem valores absolutos...Bute aí às manifs pela liberdade de expressão do 24 Horas (só não há é guita para champanhe e caviar dinamarquês porque o 24 Horas é do povão, mas deve dar para os coiratos e carrascão).

terça-feira, fevereiro 14, 2006

A Lamentável História dos Namorados

Namorados, namorados,
não vos vejo mais alados,
sublimes, alcandorados
nos miríficos estados
de êxtases multiplicados
em horizontes dourados
de mundos ensolarados.
Estais casmurros, calados
entre carinhos cansados
e sonhos desanimados.
Que vos sucede, coitados?
Acaso foram arquivados
os projetos encantados,
alvo de finos cuidados,
pelos dois armazenados?
Onde os férvidos agrados,
os toques maravilhados
de vossos dias passados?
Namorados, namorados,
deixai-nos desarvorados!

Diviso em vossos semblantes
sombras, traços inquietantes,
diversos dos crepitantes,
abertos e fulgurantes
sinais festivos de antes.
Já não sois doces amantes,
não carregais, exultantes,
o suave peso de instantes
que pareciam diamantes
nos volteios elegantes
dos jogos inebriantes
e nos beijos delirantes
quando adultos são infantes
buscando refrigerantes
que em vez de serem calmantes
inda são mais excitantes.
Já não sois os banderantes
de descobertos faiscantes.
Diviso em vossos semblantes
amarguras humilhantes.

Chegou-me a resposta no ar,
após muito meditar
e livros mil consultar:
A inflação tentacular,
com guantes de arrebentar,
ferrou-vos na jugular.
Vosso anseio de morar
em casinha à beira-mar
ou qualquer outro lugar
desfez-se no limiar.
A recessão de lascar
nem vos deixa respirar,
e de empregos, neste andar,
quem mais ousa cogitar?
Um pacote singular
de rigidez tumular
desaba no patamar
da pretensão de casar.
Chegou-me a resposta no ar:
não dá mais pra namorar.

(Carlos Drummond de Andrade in "Amar se aprende amando")

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

O 5º poder: o deja vue

Eis algumas passagens do editorial de José Manuel Fernandes no Público de hoje:
"Se queres a paz, prepara a guerra", diziam os romanos no tempo do Império,
(...)
"O pior perigo está em ceder a liberdade intelectual e política, que é a nossa essência, para conciliar o inconciliável", escrevia ontem no PÚBLICO Vasco Pulido Valente a propósito do "medo" que supostamente assaltaria alguns. Tem razão: o que se passou nas últimas semanas a propósito dos cartoons sobre Maomé mostra que há imensa gente disponível para ceder, que há grandiloquentes proclamações que se desmoronam perante o primeiro abalo e que esse perigo, que vem de dentro, é muito maior do que estarmos no sitio errado à hora errada de um atentado. Esse é o medo que nos desarma e nos impede de, para garantirmos a paz de que gozamos, estarmos sempre preparados para a guerra.
(...)
De duas coisas podemos estar certos: primeiro, que haverá sempre cegos voluntários no nosso campo, e que utilizarão as mais melíferas palavras; depois, que mostrar fraqueza e "compreensão" numa altura em que os que recusam o nosso modelo democrático estão na ofensiva não os acalma, antes os estimula.
(...)
Por isso, por brutal que tal pareça, não basta neste momento dizer que se consideram soluções militares: é preciso começar a prepará-las.
Surpresas? Nenhumas. Também não me surpreenderá que nem o senhor (que já não tem idade) nem os seus filhos servirão de carne para canhão na guerra que defende apenas com palavras. Como sempre se lixará o mexilhão, o tal que defenderá com sangue os seus previlégios e os da sua família assim como o passatempo de acenar guerras a gosto.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

O 5º poder: um esboço em traços de cartoon

Se por um lado é a liberdade de expressão um dos mais virtuosos bens adquiridos pelas sociedades democráticas, e à custa do sacrifício de muitos, não deixa de ser por outro lado o mais virtual dos bens na sua aplicação de facto. Isto porque a aplicação do preceito constitucional é na maioria das vezes reduzida pelos enquadramentos micro-sociais ou profissionais onde o perigo de exclusão leva o cidadão na maioria das vezes a calar porque como todos sabemos quem cala consente, ou não consente sem assumir compromisso.

De facto a inconstitucionalidade começa bem mais cedo. Que é a educação senão o impor limites à nossa liberdade de expressão? Limites que nos são necessários à vida em sociedade, porque se bem que as sociedades produzam gente iluminada e capaz de constitucionalidades muito humanas, sabe-se bem que são desumanas para com todos os que a perigam de qualquer forma. O sacrifício de poucos que potencia a vida de muitos...

É que ao exercício da liberdade de expressão se sobrepõe outra lei bem mais antiga e mais forte, que aprendemos bem cedo: podemos insultar os mais fracos mas nunca os mais fortes. Manda mais alto o bom senso e o instinto de autopreservação.

Indo ao que interessa, isto é, a ausência de cartoons insultuosamente antisemitas nas bancas dos tribunais europeus clamando pelo direito à liberdade de expressão. Vivemos num mundo paradisíaco e já não existem antisemitas na europa? Ou é apenas que os europeus antiislâmicos têm mais jeito para o desenho?