sábado, janeiro 21, 2006

A Prova da existência de Deus em Sartre

A mais luminosa das argumentações formuladas nos dias de hoje para provar a existência de Deus procede de ninguém menos do que de Jean-Paul Sartre. E é não só plenamente moderna, como também completamente "existencial".
Sartre tem dois pontos de partida. Um deles é – como todo mundo sabe – a não-existência de Deus; um pressuposto que, na verdade, não vem fundamentado em nenhum argumento, mas que, em todo caso, se declara sem rodeios como pressuposto. O outro ponto de partida é a muito imediata e muito fortemente experimentada e expressa "não-necessidade do mundo". "A existência é o não-necessário", "o essencial é o acaso": são os juízos que Antoine de Roquentin – o protagonista do romance A Náusea – expressa quando contempla, ao redor do parque, as árvores, a fonte e, principalmente, a si mesmo. "Nós éramos todos um amontoado de existentes acabrunhados, não tínhamos a mínima razão para existir", "todo existente nasce sem razão, prolonga-se por fraqueza e morre por acaso".
Ora, pode-se dizer que isto seja outra coisa do que uma agressiva, mas no fundo plenamente adequada, descrição da contingência do mundo? Não é por acaso aquilo que sempre se afirmou: que nada daquilo com que nossa experiência se depara deve existir, não existe de forma necessária? Que há então de novo? Novo é, parece-me, que Sartre não aceita essa contingência: "Tive medo, mas principalmente raiva: achava aquilo tudo tão idiota, tão deslocado", "sentia uma raiva impotente". "Quando se compreende isso, o estômago começa a dar voltas: é a náusea! É absurdo que tenhamos nascido, é absurdo que morramos". "Tinha aprendido tudo sobre a existência. Voltei ao hotel e comecei a escrever".
Mas não é este exatamente o sentido da velha "prova da existência de Deus", que ainda alguém tão tardio como Hegel chama de argumento e contingentia mundi? Que – num e noutro caso – é o que se afirma, senão que um ser contingente, não-necessário, que "não se auto-sustenta" (Hegel), na realidade é nonsense, sem sentido, inconcebível, maluco, insustentável, absurdo..., a menos que...? A menos que... seja concebido em relação a um existente necessário, absoluto, fundamento e sustentação do ser: ...Deus?
Mas não poderia ser o caso de que o homem e o mundo re­almente não tivessem sentido algum e, portanto, absurdo seria também esse seu fundamento? Minha resposta comporta dois pontos: 1) Ninguém pode sustentar coerentemente tal afirmação; pode-se talvez pensá-la, mas não vivê-la. O próprio Sartre não o faz, senão como poderia ele falar de responsabilidade e liberdade? E baseado em que distinguiria o justo do injusto? Mas se se quiser fazer realmente o teste de coerência plena, então: 2) Não significaria essa ausência de razão para absolutamente tudo, uma ausência de fundamento também para a afirmação da não-existência de Deus?

Josef Pieper (Trad.: Jean Lauand)

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Amor e rosas...

...e contudo os espinhos ferem.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Um ténue fio

Por vezes, como hoje, há dias que sinto como eu.
Um pouco de frio, um pouco de chuva, um pouco de sol, uma promessa incerta.
Em dias assim, sinto-o, seria capaz de me libertar do esquema, de me dissolver na poalha húmida sobre a estrada.
Penso-o um momento antes de apagar o cigarro e voltar para dentro.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Propostas para uma aplicação racional dos impostos II

Proposta PA-Q-SA-B-D+: Aumentar impostos relativos a compra de livros

Justificação científica

Factos irrefutáveis: Os portugueses que são de gema só lêm jornais. Para além disso, de entre estes, os verdadeiros “tugas”, os de cepa original, só lêm A Bola. Isso explica a muito saudável resistência à importação de hábitos esquisitos que lá por fora se vêm, vulgo estarangeirices.

Apesar da situação não ser ainda calamitosa, uma ténue tendência de diminuição dessa resistência tem vindo a ser notada em estudos científicos dedicados ao assunto, isto é, alguns portugueses andam de facto a ler livros apesar do esforço concertado das editoras e do governo para manter os preços inacessíveis. Para isso muito tem contribuído a actividade perniciosa dos alfarrabistas e outros vendedores de segunda mão, que serão alvo de medida a publicar.

A leitura de livros, muitos deles estrangeiros, desvirtua a portugalidade e introduz ideias dispendiosas na cabeça dos portugueses, com os já conhecidos efeitos na balança comercial, na indústria do turismo, etc. etc. (vide proposta 32ED+ para mais pormenores).

Antes que a situação se torne irreversível é necessário tomar medidas firmes para inverter esta tendência que poderá trazer efeitos nefastos ao delicado equilíbrio de poderes da nossa sociedade. A saber, nos próximos vinte anos pode mesmo chegar a haver mudanças na nossa classe política com a chegada de alguns políticos letrados ao poder. As consequências que tal inversão do actual status quo poderia ter na nossa sociedade são imprevisíveis e devem portanto ser evitadas a todo o custo.

Solução: A gravidade da situação requer medidas verdadeiramente dissuasoras. A comissão propõe que seja aplicada, no acto da compra de livro, uma coima equivalente ao subsídio de férias do comprador. Caso a compra seja para oferta, a coima deve ser equivalente ao subsídio de férias e de natal somados, por ser crime ainda mais grave aliciar outros à leitura. Caso se trate de adolescente ou pessoa sem rendimentos, a coima deve incidir sobre a idade de reforma, que deve ser agravada de cinco anos em caso de compra para consumo próprio e dez anos em caso de compra para aliciamento.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Propostas para uma aplicação racional dos impostos I

Como parte do esquema geral para enriquecer é necessário contribuir activamente para uma política fiscal diferente, centrada nos sectores económicos de baixo impacto na população portuguesa em geral e de maior valor acrescentado.

Deixarei aqui algumas sugestões ao longo dos próximos dias, retiradas do Relatório de Avaliação Técnica para a Aplicação Racional dos Impostos (RATAR Impostos 06), a publicar em 2006 pela editora O Esquema:

Proposta 32ED+: Aumentar impostos relativos a consultas, tratamentos e próteses dentárias

Justificação científica
Dados irrefutáveis : Os portugueses têm uma tradição desdentada. É claro que nos últimos anos se têm instaurado maus hábitos vindos da Europa no que toca a este assunto, tais como as consultas regulares e o arranjo meticuloso da dentadura, até com recurso a aparelhos ortopédicos de origem estrangeira cuja importação contribui bara o desequilíbrio da balança orçamental.
Conclusão axiomática: Estes hábitos contribuem para a descaracterização do país (com prejuízo para a indústria do turismo), para o aumento do endividamento das famílias e para o aumento da dívida externa.
Aparte: É opinião da equipa técnica que estamos a tempo de inverter esta tendência com significativos benefícios para o erário público.
Solução: Uma vez que as consultas são caras, e portanto fora do alcance da maioria dos portugueses, a aplicação de um pesado imposto sobre este tipo de prática traria grandes benefícios à identidade nacional, um substancial encaixe financeiro (em % do valor da consulta) e um prejuízo pequeno à população em geral que não tem dinheiro para mandar arranjar os dentes.
Solução ideal: O imposto a quadruplicar seria o IVA, porque atinge preferencialmente os clientes e contribui para que o hábito se desenraíze mais rapidamente.
Repercursões: Esta medida terá ainda um efeito benéfico sobre as pequenas empresas, em particular os tira-dentes, e contribuirá para a diminuição da taxa de desemprego.

O esquema para enriquecer (não se aceitam reclamações)

Após apurada busca, e fazendo jus ao nome do blogue, inicio uma série de textos dedicados àqueles que procuram um esquema para enriquecer, assunto muito apropriado à conjuntura portuguesa neste aparentemente pouco promissor início de 2006.
Em primeiro lugar nunca desespere, é fácil tornar-se rico se viver o tempo suficiente, e não tem que fazer nenhum esforço especial. Se poupar 100 euros por mês, ao fim de 900 anos terá o seu primeiro milhão. Regra número um: cuide bem da saúde.
Não se deixe abater pela injustiça, lembre-se que a distribuição do talento entre os homens é bem mais injusta que a do dinheiro[1].
Não desperdice energias (ou dinheiro): prefira as mulheres que lhe dão dinheiro sem fazer amor consigo às mulheres que fazem amor consigo sem lhe dar um tostão[2]. Se fôr mulher ou tiver outras tendências, transforme a frase anterior a seu gosto.
Quanto começar a ganhar dinheiro não ceda a tentações fáceis, mantenha a concentração. Lembre-se que o dinheiro não é tudo! Frequentemente, não é mesmo o bastante.[3]
Não creia no acaso e administre-se uma estalada de manhã e à noite, recordando-se que não se é nunca demasiado cuidadoso e que a abundância de bens pode prejudicar.[4]
Guarde o seu dinheiro no colchão, não compre nada e mantenha uma aparência miserável.
Não dê festas, faça-se convidado para as festas dos outros.
Se tiver mesmo que dar uma festa lembre-se que os ricos servem sempre croquetes pequenos; poupe na carne e de preferência peça os restos da vizinha.
Não seja ostensivamente sovina porque assim os outros não lhe darão nada e terá que esperar 900 anos. Faça como os homens ricos: atribua imediatamente a sua confiança mas nunca o seu dinheiro[5].
Por último, depois de ler isto, não leia mais nada. Para ganhar dinheiro é necessário um dom, mas para gastá-lo é necessário cultura[6]. Mantenha-se afastado disso.

O texto inclui citações originais de Serge Uzzan [1], Isidore Isou [2], Jean-Loup Chiflet [3], Jaroslav Hasek [4], Tristan Bernard [5] e Alberto Moravia [6].