sábado, janeiro 29, 2005

Concurso: prémio "Felix ingenuae artes"

A propósito da dívida fiscal de Santana Lopes...
...Bagão acrescentou ainda não perceber porque é que esta questão foi ontem posta.

Passatempo descubra as diferenças

"Os poderosos, quem é que acham que eles preferem? Porque será? Porque estão contentes com o programa do PS e do Bloco de Esquerda?"

Santana Lopes, citado pelo Público

sexta-feira, janeiro 28, 2005

Da transparência do pêssego, em tons de irrelevância

Admiro os políticos que se sacrificam com espírito de missão, coisa de que ouvi falar à dias num debate de televisão, não consigo é saber quem realmente eles são. Existe uma certa opacidade na nossa classe política, principalmente ao centro. Nesse aspecto, Santana Lopes marca a diferença: é transparente. Sabemos já de tudo o que ele é capaz.
Que José Sócrates não partilha dessa transparência, denotando uma opacidade acima da média e uma incapacidade de motivar o eleitorado para uma esmagadora maioria, parece não haver dúvida, mas centrar nessa matéria a questão fulcral que se irá decidir nestas eleições, eis o esquema que se impõe clarificar.
É absolutamente irrelevante que o PS tenha ou não maioria absoluta, excepto para o PS. Mesmo tendo, José Sócrates nunca será o representante da maioria dos portugueses, até porque cerca de metade deles normalmente se abstêm. Essa crise não é de agora, e antes fosse de facto uma crise que alterasse radicalmente quer a forma de fazer política quer a forma de ver a política por parte da população. É urgente que a formação cívica e política seja introduzida nos programas escolares, se não queremos correr o risco de ter, no futuro, abstenções ainda superiores.
O que é relevante e parece ter sido engolido numa manhã de nevoeiro é isto: o que está de facto a ser votado é se Santana Lopes fica ou sai, e notem que digo Santana Lopes e não o PSD. Não podemos ser ingénuos ao ponto de acreditar que a questão seja outra, por todas as incidências que rodearam estas eleições antecipadas. E aqui estão os dois lados da questão para a maioria dos portugueses: Santana Lopes fica vs. Santana Lopes sai.
Disto discordarão provavelmente muitos políticos de profissão, centrados na caça ao voto, sem que nada haja de criticável nisso pois é a sua prerrogativa. Mas nessa discordância mostram que estão definitivamente alheados da questão prioritária para Portugal, que quer queiram quer não está centrada na figura de Santana Lopes.
Aquilo que nos devemos interrogar é: o que podemos esperar da vitória de Santana Lopes? Quais serão os seus efeitos na sociedade portuguesa, no ordenamento de forças das instituições democráticas e da classe política portuguesa?
Mesmo sem aprofundar muito, é fácil de antecipar que a vitória de Santana Lopes, a ocorrer, será em primeiro lugar uma vitória pessoal. Uma vitória contra a oposição interna por parte de alguns notáveis do PSD, que nunca o apoiou, e pode definitivamente levar ao abandono de muitos sociais democratas competentes. Essa transformação do partido à imagem do líder, provocará um enfraquecimento do PSD e acarretará uma perda para a democracia portuguesa.
Seria também uma vitória pessoal sobre Jorge Sampaio e legitimaria as intensões de Santana Lopes de reduzir os poderes presidenciais a gusto, comprometendo e enfraquecendo a pessoa institucional do Presidente da República. Aliás, Pacheco Pereira aventou que esta proposta de redução de poderes presidenciais não se dirige ao actual, mas ao próximo presidente da república, que poderia ser Cavaco Silva. Talvez...não sei.
Mas, isto eu sei: se ganhar as eleições, por pequena vantajem que seja, Santana Lopes ganha redondamente; resultado ao intervalo 2:0. Repito, Santana Lopes ganha, o PSD provavelmente perde.
E o problema é que na névoa partidária que se tem formado, mesmo os portugueses que se sentiram inicialmente motivados para votar na derrota de Santana Lopes, votando onde quer que seja, estão agora preocupados com a questão marginal de se o PS tem ou não direito à maioria, se participa ou não nos debates, se Sócrates é sempre assim antipático, ou se de manhã ao acordar é ainda pior. Entretanto, Santana Lopes amanteiga os jornalistas nas entrevistas televisivas. Ganha a facção “Santana Lopes fica”, embevecida com o “charme latino” da sua versão dos factos: “não sei como vim aqui parar, mas não interessa, vamos em frente”.
Ainda não temos, mas poderemos vir a ter um Berlusconi Affair à portuguesa. Isto, se a névoa não for dissipada por um vento forte, porque com este nevoeiro ninguém vislumbra a baliza.
Eis o que é absolutamente transparente em Santana Lopes: não tem credibilidade perante as instituições públicas e privadas portuguesas, pior, não tem credibilidade nem é levado a sério além fronteiras. Se esquecermos durante um pouco as questões partidárias, porque esta é uma questão suprapartidária, Santana Lopes pode significar um sério bloqueio para Portugal.
A nação correria certamente menos riscos se tivesse sido utilizada, justificadamente, o equivalente português do “impeachment”. Talvez uma junta médica isenta, como a que tratou do caso do Dr. Branquinho Lobo, mostre disponibilidade para avaliar o caso.

quinta-feira, janeiro 27, 2005

O verdadeiro serviço público...

...é o blogue de Pedro Magalhães; realmente esclarecedor. A nebulosa que vulgarmente acompanha as sondagens e as suas interpretações é finalmente dissipada pela luminosidade clara com que o é exposta no Margens de Erro. O meu obrigado.

segunda-feira, janeiro 24, 2005

Anatomia: o umbigo à superfície

É um hábito estéril, mas muito enraizado, o do debate periférico. É vulgar ver, nos jornais, colunistas tentados a comentar os escritos de outros colunistas, relegando o comentário original para ocasiões de maior desafogo de tempo, ou quiçá, de maior inspiração. Essa fuga à tarefa árdua e corajosa da autoria tem ainda produzido como efeito secundário o hábito do plágio que se tem difundido de forma inesperada, mesmo entre aqueles que pretendem afirmar-se como autores, o que não deixa de ser um paradoxo.

No debate político é ainda mais comum ver os políticos debater políticos, enquanto os ainda esperançados eleitores (cada vez menos) vêm passar a oportunidade de discutir o que realmente interessa, the real thing.

Assim, o comentário inapropriado de Francisco Louçã esvazia por completo o debate de conteúdo que se deveria seguir à confrontação televisiva com Paulo Portas, criando ainda, como se de um eco periférico se tratasse, a oportunidade de uma entrada à leão ao até ontem pouco eloquente Bagão Felix, ele que até é do Benfica. Perdoem-me o humor, porque o caso está ainda longe de ser engraçado, apesar de ter esperança que as gerações futuras possam deste episódio tirar uma boa gargalhada, se ainda lhes sobrar sentido de humor.

De Sócrates debate-se mais as suas posições face ao debate do que o programa de governo proposto, do qual aliás só se retiraram umas poucas parangonas mal digeridas, mal explicadas e por vezes, segundo o próprio em entrevista à Sic ontem à noite, mal interpretadas. Ou o programa não tem ponta por onde se lhe pegue, ou ainda ninguém pegou nele, o que é normal, uma vez que os nossos jornalistas enfermam do tal mal de falta de tempo e de inspiração.

O comentário original, assim como o compromisso com opiniões originais, leva inevitavelmente à exposição, ao juízo e escrútinio alheio. Deixa a tarefa árdua da fundamentação ao autor e a tarefa mais fácil, a da crítica, aos outros; o autor fica inevitavelmente numa posição frágil e por isso é preciso coragem para ser político e autor e ainda mais para ser um político autor de ideias e soluções para o país.

sábado, janeiro 22, 2005

Esboço sobre os tiques dos políticos

Não é bem que a gente não acredite neles, o que a gente não acredita é que eles acreditem. Talvez o problema seja apenas de cariz patológico, uma doença profissional adquirida ao longo dos anos, durante a escalada, no interior do aparelho partidário. A surdez, a cegueira, o autismo e a compulsão do discurso generalista. Como disse, uma doença profissional.

Os portugueses, quais extremados budistas, não são de extremos, nem à direita nem à esquerda, acomodando-se ao virtuoso “caminho do meio”, e votando ao centro. Naturalmente não tardou aos profissionais da política adaptarem-se ao luso-budismo, posicionando-se por forma a recolher o filão dos votos, ao centro. Temos assim um sistema onde a alternância democrática se dá entre o centro-centro-ligeiramente-esquerda e o centro-centro-ligeiramente-direita. A gente volta ligeiramente à direita quando nos dizem que as finanças públicas estão num caos, a gente volta ligeiramente à esquerda quando os ordenados sobem menos que a inflacção, a gente dança o vira, dando voltas sempre no mesmo lugar.

E porque a gente, por mais voltas que dê, vota sempre ao centro, criou-se no centro uma maioria acomodada: os profissionais da política ao centro, os da meia-direita mais os da meia-esquerda. Para estes profissionais da política é já um pouco indiferente o eleitorado português no seu todo. Digamos que interessa apenas convencer aquela meia dúzia dos “mais budistas que o buda”, teimosamente ao centro, que hora votam centro-centríssimo-ligeirissimamente-direita, hora votam centro-centríssimo-ligeirissimamente-esquerda, e de forma alternada, para que o cômputo geral seja um puríssimo centro, “o caminho do meio”.

Uma classe profissional acomodada e sem lutas sérias no exterior, uma vez que o ganha pão do partido está garantido ao centro, volta-se inevitavelmente para o ganha pão individual, que depende exclusivamente das lutas internas para subir dentro do partido.

Aqui temos o problema, tal como nos têm chamado repetidas vezes a atenção: uma avaliação externa é condição sine qua non para garantir a qualidade de um serviço. Sem uma avaliação externa, as políticas de promoção acabam inevitavelmente por cair no compadrio, ou pior, tendem a compensar quem se dedica à promoção interna da sua carreira, em detrimento de quem se dedica a cumprir e melhorar a missão original do serviço. Se as pessoas a quem o serviço serve são irrelevantes para o ganha pão, não sobe quem melhor serve, sobem os carreiristas.

A surdez, a cegueira, o autismo e a compulsão do discurso generalista? Sintomas de passar mais tempo preocupado com o que se pensa no interior do partido do que com o que pensa a gente cá de fora. Como disse, uma doença profissional.

(In)Decisões

A minha paz de espírito está seriamente ameaçada.
Estou ainda a pensar em que categoria me inscrevo...

Categoria A) : acreditas nesta República e queres morrer acreditando nela
Categoria B) : deixaste de acreditar nela
Categoria C): detestas o mundo e toda a gente e ainda não resolveste a tua moratória da adolescência
Acho que me inscrevo em todas, dependendo dos dias. Hoje, por exemplo, sinto-me particularmente adolescente.

sexta-feira, janeiro 21, 2005

O esquema falido

Afinal os armadores de pesca vão abastecer-se de combustível a Espanha, porque os preços em Portugal são demasiado elevados, graças aos impostos.

Afinal, se compram o combustível em Espanha, os impostos são pagos aos espanhóis, que dão graças à nossa política de impostos.

Afinal os nossos melhores alunos vão tirar cursos de medicina em Espanha, porque as vagas são insuficientes em Portugal, graças ao apego ao status quo.

Afinal os nossos hospitais contratam médicos espanhóis, porque há falta de médicos em Portugal, o que até tem graça, porque é graças à falta de vagas nos cursos de medicina que levam os nossos alunos para Espanha que temos falta de médicos e que contratamos médicos espanhóis, etc. etc.

Aqui há certamente esquema. Mas, favorece quem?

Compensações

Tive pena de perder o debate de Francisco Louçã e Paulo Portas, mas em compensação tive o prazer de ler o empolgante relato "Choque de Titãs" no Barnabé, por Rui Tavares. Ainda há brasas acesas no quase extinto braseiro político português!

Palavras para quê?

Escreve Pedro Urbano, na edição do Público de Quarta-Feira, um texto temperado da ironia genuinamente característica da alma portuguesa. Eis um fragmento:

"É isso, tens que fazer alguma coisa. Votar, por exemplo. (Não, o Partido da Abstenção não pode governar, mesmo com maioria absoluta. Sim, votar faz-te doer a alma e faz-te sentir sujo e conivente com toda a nojeira. Também as vacinas doem, não há nada a fazer; se a alma te inchar, desinfecta com álcool e junta-lhe um pouco de gelo; acabará por passar.) Deixa-te de criancices, vota. Vota nos pequenos partidos se ainda acreditas nesta República e queres morrer acreditando nela; não servirá de grande coisa mas, pelo menos, cumpriste a tua obrigação e ficarás de bem com a tua consciência. Vota num dos dois grandes, se deixaste de acreditar nela; depressa a liquidarão. E se detestas o mundo e toda a gente e ainda não resolveste a tua moratória da adolescência, vota nos anõezinhos perversos; nunca hão-de governar (seja o que for) nos próximos dez mil anos, mas conseguem chatear toda a gente. (Seja como for, são como a erva daninha: arranca-se de um lado, nasce do outro.)"

terça-feira, janeiro 18, 2005

Com mil raios!

Como é possível que durante a publicação de um post, o template desapareça?!

E como é possível ser-se tanso ao ponto de não ter gravado o maldito template no disco com as alterações já introduzidas?!

Raios me partam! Para nunca mais me esquecer!

Finalmente a televisão e outros meios de informação

Não se pode passar ao lado do blogue de Pedro Magalhães. Difícil é também contornar a "provocação" ou deixar de reflectir o parágrafo irónico com que o autor termina:“... 55% dos eleitores a pensarem que os resultados das eleições não fazem grande diferença no cursos dos acontecimentos... O que impressiona não é tanto a possibilidade dos eleitores estarem enganados. É a possibilidade de que tenham razão.”

Insónia garantida, tenham os eleitores razão ou não. Que assim pensam é um facto. Os 55% de eleitores descrentes aproximam-se dos típicos 40-50% de abstenções, sendo a diferença provavelmente dada pelos eleitores que exercem o direito e obrigação cívica de votar, mesmo descrentes.

Parece haver a opinião generalizada de que para a descrença dos eleitores contribui, em muito, a imagem que os líderes dos dois partidos mais votados passam para a opinião pública: homens vocacionados para os media, mais do que para as acções ou convicções.

O discurso parece momentâneo, sem continuidade, com afirmações que se contradizem em intervenções sucessivas e sente-se que por trás das palavras não existe um fio condutor. Sente-se que as palavras, esvaziadas da sua ligação à continuidade de um discurso ou uma acção deliberada (programada), têm apenas a função de impacte mediático, a função de vencer o debate. Mas, porque há-de isto incomodar os portugueses em particular? Nos Estados Unidos as eleições são mediáticas, as mais mediáticas do mundo, e nem os americanos parecem incomodados, nem os portugueses (pelo que se lê) vêm algum mal nisso, se bem que alguns possam ter ficado apreensivos com o último resultado.

Talvez o que falte em Portugal seja mediatização. Falta debate, falta coragem, falta exposição aos nossos políticos. A política era chata quando eu era menino e moço, e nesse tempo (pós revolução) havia debates, a preto e branco é certo, mas com colorido verbal e gestual adequado à altura; eram chatos, mas desculpavam-se porque só havia uma televisão, do estado, e a mediatização dava ainda os primeiros passos. Hoje não teriam desculpa, mas a política portuguesa continua chata.

Hoje, os partidos grandes fogem da exposição dos debates e as televisões não têm a coragem de convidar os partidos que querem debates, deixando de lado quem não os quer. E o que faltava antes, e por isso já antes os debates eram chatos, é o que ainda hoje falta: os jornalistas não fazem perguntas incómodas, os políticos levam respostas ensaiadas e apenas se discute o óbvio, o banal e o politicamente correcto. É um tratamento soft, o que os media dão aos nossos políticos. Mesmo assim, a incapacidade de lidar com a exposição mediática ficou bem expressa nos desatinos de Pedro Santana Lopes, e ainda está por saber se José Sócrates se sairá melhor. Afinal de contas, a habituação aos media de ambos é apenas uma versão hipersoft: os comentadores expõem, não são expostos.

terça-feira, janeiro 11, 2005

Um país e maiorias

É sempre o mesmo problema, vezes e vezes sem fim: o que há de comum entre um país e um barco? A necessidade de comando firme dirão uns. O facto de andar à deriva dirão outros, pensando em Portugal com a amarga ironia característica do povo que cá habita. Cá está uma pergunta ridícula para dar início a um texto cretino, dirão os mais sábios. Qual é o esquema? Perguntarão uns poucos amantes de teorias da conspiração. Terão todos razão em parte, tendo eu razão ou não.

Em Portugal o novo esquema são as maiorias absolutas. Em poucos anos ultrapassámos a necessidade de minorias, que chegaram a ser defendidas como fundamentais à expressão da pluralidade democrática, e chegámos finalmente à necessidade de maiorias, que são defendidas tendo como base o modelo náutico, isto é, a necessidade de um comando firme e incontestado para levar o navio a bom termo.
Daí a questão inicial: o que há de comum entre um país e um barco?
Esta questão não é original, nem a sua origem recente. Oscilações entre regimes plurais e totalitários são comuns na história portuguesa e mundial. No caso da democracia refiro-me a um totalitarismo a prazo, bem entendido, e enquadrado com os necessários mecanismos que evitam os excessos conhecidos do passado, porque dos excessos futuros não sabemos ainda como defender-nos.
Evitarei aqui exemplos de um passado recente a que somos todos sensíveis para evitar uma leitura radicalizada do texto e a colagem indesejável de personagens do presente a personagens do passado, porque esse não é o meu objectivo. Mas, ninguém terá dificuldade em reconhecer nesta questão semelhanças com as que opuseram facções do senado romano a propósito de aceitar ou não um imperador (um César) e posteriormente a propósito desse imperador estar acima do mesmo senado ou lhe dever obediência. Roma tornou-se um império, é certo, e ninguém lhe negará o sucesso económico conseguido à custa da sangria das colónias do Império. Roma, foi em muitos aspectos um barco levado a bom porto, dependendo os percalços da viagem das qualidades dos seus sucessivos capitães. Pode dizer-se que a Roma Imperial foi em algum momento um país? Não. E talvez possam argumentar por isso que o exemplo foi mal escolhido. Mas não inocentemente.
Nem na questão levantada nem nos argumentos apresentados existe realmente nada de original. A literatura de ficção está cheia de exemplos e parábolas acerca do assunto. Uma das mais famosas parábolas é “O Triunfo do Porcos” de George Orwell (também aqui não tenciono colagens ou juízos radicais). O Barco neste caso (a quinta) não foi levado a bom porto, uma vez mais responsabilidade devida aos seus capitães.
Mas, o que existe de facto de semelhante entre um país e um barco? Aqui depende um pouco da perspectiva, e a minha própria perspectiva se divide. Por vezes um país não tem nada a ver com um barco, no sentido em que não existe de facto um porto paradisíaco a alcançar, onde a viagem termine e voltemos de novo às nossas vidas. Estamos aqui presos uns com os outros, com as gerações passadas e com as gerações futuras, e o porto imaginário não é um escolhido de antemão, mas pode mudar de geração em geração de acordo com as aspirações de toda a gente (as dos meus filhos, bem diferentes das minhas), e é um porto a que nunca queremos chegar (querendo sempre chegar) porque é esse desejo de futuro que nos faz avançar sempre. Também aqui precisamos de capitães, mas não de capitães de barco, com rota traçada, objectico a atingir a todo o custo e sacrifício da tripulação. Aqui queremos capitães poetas, capitães festivos, que sintam o pulso da gente, as suas aspirações, e neste barco onde estaremos para sempre (agora e depois na memória dos outros) queremos que se faça sempre o melhor, apenas o melhor. O melhor é o que corresponde à aspiração colectiva da gente. O melhor pode ser procurar o Graal e deixar de lado a convergência Europeia, por muito louco ou fora de moda que seja.
Mas o corpo também precisa de alimento. E um país pequeno como Portugal pode ganhar o pão com os contratos que a Europa lhe dá. E os contratos são como rotas planeadas de antemão, e a tripulação tem de ir aonde o coração não quer mas a barriga pede, e aí...aí sim, precisamos de um capitão de navio, um Mr. Blight com as suas vergastadas. Iremos decerto a bom porto e encheremos a barriga, mas os nossos filhos (os que sobreviverem) nunca serão poetas.

"Many animals had been born to whom the Rebellion was only a dim tradition, passed on by word of mouth, and others had been bought who had never heard mention of such a thing before their arrival. The farm possessed three horses now besides Clover. They were fine upstanding beasts, willing workers and good comrades, but very stupid. None of them proved able to learn the alphabet beyond the letter B. " -
George Orwell, The Animal Farm


sábado, janeiro 08, 2005

Os sete passos para o ódio

É tudo uma questão de pormenores. Damos demasiada atenção às pequenas coisas, talvez por saber que dentro de nós só as pequenas coisas são importantes. Julgamos os outros pelos nossos olhos e provavelmente erramos.

Faltam-nos os olhos de Bernard Shaw com o seu “Não faças aos outros o que queres que te façam a ti, porque eles podem não ter os mesmos gostos que tu.”. Para nós, aos nossos olhos, só existem os nossos gostos, o hábito, o conhecimento seguro do que nos faz mover e que à falta de melhor nos assegura que sabemos o que faz mover outros, com a margem de segurança nascida da observação dos que nos rodeiam de perto.

Uma observação por vezes demasiado descuidada, demasiado egocêntrica e onde a máxima “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.” serve de base ao axioma “Somos todos iguais.”. Por isso procuramos constantemente dentro de nós as razões que movem os outros, e assim começa o nosso engano.

Um mau juiz julga os outros por si próprio, e não o contrário, porque o desprezo e o desrespeito pelo outro radia dessa pequena confusão: a crença que tudo está ao alcance da nossa compreensão, porque tudo o que há existe em nós, e todas as diferenças dos outros nascem de diferentes decisões em relação às mesmas premissas e não de diferentes premissas.

Assim começam os sete passos que nos separam do ódio. Como todas as caminhadas, começa pelo primeiro passo. Um passo fundado na fé. Aquilo que os outros fazem, fazem-no por um acto de consciência, são diferentes porque assim optaram.

É aqui irrelevante o facto de, no conjunto das nossas acções diárias, apenas uma parte insignificante delas são de facto acções da nossa consciência, verdadeiras opções em que o nosso livre arbítrio decide de acordo com o nosso coração contra tudo e contra todos. A fraqueza e falta de coragem que se desculpa em nós, não serve de desculpa aos outros, porque isso implicaria expor socialmente a nossa fraqueza, admitir que muito daquilo que pretendemos fazer por decisão, fazemos antes por acaso, por arrasto, por inércia, por preguiça, por falta de força ou de coragem.

A palavra é o segundo passo para o ódio. Porque acreditamos que tudo pode e deve ser dito. Porque confundimos o direito de dizer com a obrigação de dizer e porque somos viciados na obrigação como substituto para a incapacidade de fazer valer os nossos direitos. Porque achamos que falar resolve e porque de facto não suportamos a gravidade do silêncio. E porque nisto os outros são iguais a nós na sua obsessão da palavra, e tal como nós não ouvem e calam, e tal como nós usam a palavra como arma, e tal como nós confundem o direito de falar com a obrigação de não calar, e tal como nós sublimam na palavra-arma a frustração da impotência do livre arbítrio.

O silêncio é o terceiro passo para o ódio. Porque sabemos quanto é insuportável para nós e para os outros. Porque manifesta a nossa desistência dos outros. Nós cuja impotência de acção faz com existamos apenas na palavra, retiramo-nos, apagamo-nos, erradicamo-nos através do silêncio. Um suicídio-homicídio ritual, porque o silêncio nega a nossa existência e a existência do outro.

O tempo é o quarto passo para o ódio. Porque com o tempo esgotamos todas as palavras, todos os silêncios. Com o tempo tornam-se claros os traços que desenham a nossa impotência. Em cada ciclo, cada tentativa esboçada de falar, de calar, fica demonstrada a nossa ineficiência. Assim se torna incontornável o nosso estado de não-existência.

O quinto passo para o ódio é a omnisciência. A ilusão de tudo prever, adivinhar antes de acontecer, suspeitar das intenções, reparar nas mais leves insinuações. Não aceitar nada, não dar nada. Recusar a evidência, ténue, de que nem tudo encaixa no esquema montado pela auto-ilusão. Esquecer os olhos, os ouvidos, a boca, a pele, fechar-se a tudo o que pode surpreender. Acreditar que tudo é importante e faz parte do esquema. Não aceitar o ridículo, o irrelevante, o erro ou o acidente. Acreditar que se vive dentro de um grande Teorema.

O sexto passo para o ódio é a má-consciência. A recusa em aceitar a responsabilidade na justa medida dos actos. Suportar antes em segredo a assombração da culpa , nascida dos sonhos e aspirações passadas, das imagens de perfeição e amores idílicos herdadas.

O sétimo passo para o ódio é não amar, e esse é o mais simples de dar, quase não é preciso fazer nada. Basta não gostar de nada, não rir com nada, não ter prazer em nada, não reparar em nada, não ter uma grande paixão, não saber o que é o amor.

E a caminhada é curta entre o amor e o ódio. É também uma caminhada paradoxal: começa na certeza de que se conhece o outro para chegar à certeza de que o outro é um estranho, com base na certeza que o compreendemos bem. O preço a pagar, se quisermos parar um pouco para pensar, é que nos tornamos mais estranhos a nós mesmos também. Mas, com tanta coisa na cabeça, quem tem tempo para pensar?

quinta-feira, janeiro 06, 2005

Contas e rabiscos: rectificação do horóscopo


O Governo de Santana Lopes tomou posse a 17 de Julho de 2004, e em 41 dias de funções nomeou 468 pessoas, de acordo com O Independente em 27 de Agosto. A taxa de nomeações neste período foi de 11 pessoas por dia, assunto que não passou despercebido na blogosfera. Supondo, como tudo indica, que a impetuosidade inicial não esmoreceu, terão ocorrido, até à data marcada para as eleições antecipadas (20 de Fevereiro de 2005), 2475 contratações ou nomeações. Há no entanto a possibilidade, a considerar, de um aumento de ímpeto: o “sprint” final.

Mais um traço para o esboço do esquema: “Descongelados lugares suspensos há 20 anos” é título de notícia hoje no Correio da Manhã, página 14, secção Sociedade. Francisco Pedro e Manuela Guerreiro, responsáveis pela notícia, informam que “O Estado descongelou 807 vagas para os quadros dos tribunais...As vagas foram disponibilizadas no passado dia 1 e constituem uma medida excepcional tendo em conta que as admissões da Função Pública estão congeladas desde a década de 80. Apesar de terem ocorrido descongelamentos excepcionais e esporádicos nos últimos anos, não há memória de uma admissão em massa desta grandeza”.

’Tou-te a topar, ó meu! O número de eleitores inscritos na actualização de 1997 é de aproximadamente 9 milhões, o que contando com uma abstenção em torno dos 40-50 %, faz prever que poderão votar nas próximas eleições 5 milhões de portugueses. Como nas últimas eleições Europeias a coligação PSD/PP obteve 33,26 % dos votos e o PS 44,52 %, Santana Lopes tem que recuperar cerca de 6 % dos votos para ser o partido mais votado, isto é, precisa “apenas” de cativar 300000 eleitores.

As notícias não poderiam ser melhores! Espera-se acentuada descida na taxa de desemprego.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

O Esquema #1

Não sou um grande leitor de Jornais, sou antes uma espécie de anacoreta da informação. Mantenho uma dieta expressamente subnutrida de informação e de textos excessivamente intelectuais. Preservo assim alguma ingenuidade e alguma capacidade de surpresa perante o mundo. Em suma, sou um ignorante convicto. Quando me propus começar este blog propus-me ingenuamente, senão a retratar o esquema em traços claros (tarefa muito acima da minha capacidade), pelo menos a esboçar em traços toscos alguns aspectos do esquema, e é claro tive que abandonar parte da minha dieta de informação.

Ontem comprei o jornal O Público que relutantemente li, parando com agrado nas minhas secções preferidas: Bartoon e Calvin & Hobbes (é assim que eu sou). Claro que a pouco e pouco acabei por folhear o resto do jornal (quem mantém dieta tem sempre um apetite redobrado). Na página 26 deparei com uma notícia intitulada Professora de Filosofia na Vice-presidência do Instituto do Consumidor assinada pela jornalista Mariana Oliveira, estava já por essa altura bem enfronhado no jornal: secção Sociedade. A notícia começava com "O Governo de Santana Lopes nomeou para a vice-presidência do Instituto do Consumidor uma licenciada em Ensino da Filosofia, sem formação na área do consumo nem qualquer experiência no sector.", não particularmente apetitoso ou fora do normal para um assíduo leitor de jornais, acredito, mas têm que lembrar-se da minha faminta condição, e assim continuei.

Foi apenas no segundo parágrafo que as minhas antenas embotadas começaram finalmente a pressentir a presença do esquema e "noblesse oblige", lá li eu o resto do artigo para infortúnio dos poucos que aqui vierem parar. Pois saibam que "A escolhida, Eduarda Maria Gomes Marques, é uma militante do PSD que integrou em Julho de 2002, juntamente com o governante que a nomeou, e ambos como vogais, a comissão política nacional do partido. Tem 35 anos de idade, é licenciada em Ensino da Filosofia, pelo pólo de Braga da Universidade Católica Portuguesa, e foi requisitada para o Instituto do Consumidor numa comissão de serviço de três anos. O cargo que exerce está equiparado ao de subdirector-geral, o que lhe dá direito a uma remuneração-base de mais de 2800 euros mensais", citando o artigo.

A jornalista alude também ao curriculum vitae da candidata que "refere que teve como experiência profissional a docência de várias disciplinas na Associação Comercial e Industrial de Guimarães, de onde é natural, e no Instituto de Emprego e Formação Profissional da zona. Diz ainda que foi "directora de turma; membro da elaboração e correcção das provas globais de Introdução à Filosofia do 10.º ano; membro da elaboração dos exames de equivalência à frequência de Introdução à Filosofia dos 10.º e 11.º anos; correcção do exame nacional de filosofia do 12.º ano" e ainda "frequência em acções de formação na área da educação e do conhecimento" e a "colaboração e coordenação em diversos projectos pedagógicos". O capítulo da experiência profissional termina com a referência de que Eduarda Marques fazia parte da direcção da Cooperativa Movijovem, como vogal, desde Julho de 2003."

Há alguém que me esteja a ler e que sinta neste momento que ter investido num cartão do PSD à dois anos atrás poderia ter resolvido a dívida do carro, da casa, e ainda ter feito um brilhante acrescento ao seu curriculum vitae que poderia significar nunca mais ter problemas de emprego, mesmo que não se fizesse "a ponta de um corno" neste? Bem...não é esse o objectivo deste texto, desculpem.

Pois fiquem sabendo já que não sabem ler curricula (Ena pá! Isto é o plural de curriculum! E em latim! Onde será que eu, ignorante, aprendi isto?) . O trabalho jornalístico é completo (e com uma pontinha bem temperada de ironia pedagógica) pois cita a justificação do ex-ministro Henrique Chaves para a contratação: "a licenciada Eduarda Maria Gomes Marques reúne capacidades pessoais e técnicas, a que associa qualificada formação e experiência, decorrentes do desempenho, ao longo da sua carreira, de funções técnicas e de formação, coordenação e organização de recursos, nomeadamente no sector cooperativo, que permitem concluir pelo seu adequado perfil para o exercício do cargo". É assim que se lê o dito curriculum vitae, e fico desde já satisfeito pela função pedagógica deste texto. Mas, não é este ainda o objectivo do texto e se não desistiram até aqui já falta pouco.

Eis um esboço possível do esquema (a ser traçado por melhores artistas): quantos empregos terá dado Santana Lopes a militantes do PSD desde o ínicio do seu mandato? O quadro final poderia intitular-se: "O segredo da esmagadora maioria que Santana Lopes obteve no congresso do PSD". Mas, que sei eu? Os esquemas reais estão provavelmente acima da minha limitada destreza para lhes captar os traços: são imagens fugidias.

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Viver na terra dos homens

De tudo, o que há pior é ser lançado ao mundo sem um pingo de sentido de humor. As grandes cenas, as coisas sérias, estão bem para os anjos e para quem faz profissão acima das coisas mundanas, não para quem vive na terra dos homens e chafurda no mundo, para quem circula sangue de gente comum nas artérias. Há que rir e rir com vontade quando nos dizem a princípio que não temos idade, e continuar a rir em grandes gargalhadas, quando nos contam histórias de cursos e de enchadas, não parar o riso nem sentir embaraço quando se procura emprego para não ser madraço, e nunca, nunca, deixar de gargalhar enquanto gastamos a vida sempre a trabalhar, e por fim na velhice, quando descartados, nunca esquecer da vida os melhores bocados, e gargalhar, rir como nunca às bandeiras despregadas, rir até partir, porque alguém recolherá os pedaços das nossas vidas escaqueiradas.

domingo, janeiro 02, 2005

Horóscopo para 2005

Os planetas continuam na sua lenta trajectória em torno do Sol, e os seus satélites orbitam em torno deles com um pouco mais de energia. O sistema solar move-se também mas não há ainda sinais de abandonar a galáxia. O Universo, tirando umas Quasars aqui e ali, está mais ao menos na mesma, como tudo o resto afinal.Tudo? Nem bem tudo...As constelações estelares para 2005 prevêm que finalmente o Bloco de Esquerda tem sérias possibilidades de candidatura a governo, dependendo é claro da tomada das disposições necessárias. Fontes credibilizadas pela excessiva credibilidade popular anunciam que a substituição de Francisco Louçã pela figura de Paulo Portas pode ser o passo que falta para os bloquistas conseguirem finalmente conquistar a simpatia popular.

sábado, janeiro 01, 2005

Receita de ano novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade in Jornal de Poesia